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Celebração simbólica marcou a inauguração do busto. (Foto: Marina Silva) |
Quando os tambores soaram sob o sol das 10h da manhã de
ontem, o olhar decidido e sério de Mãe Gilda, ícone da luta contra a
intolerância religiosa, ressurgiram expressos em um busto esculpido em sua
homenagem às margens da Lagoa do Abaeté. A expressão da escultura, que até o
momento da cerimônia estava encoberta por um tecido branco foi celebrada com
grãos de milho branco, cânticos e mensagens que ressaltavam tudo aquilo pelo
que a ialorixá sempre buscou, paz e respeito.
Apesar da expressiva presença de membros das religiões de
raiz africana, representantes de outras doutrinas religiosas compareceram ao
local reafirmando a intenção de fazer da obra um ponto de referência ecumênica.
A Ialorixá e, sobretudo sua história e luta foram lembrados pelos presentes
gerando comoção e muitos sorrisos.
A filha de Mãe Gilda, e atual Ialorixá do Ilê Abassá de
Ogum, Mãe Jaciara Ribeiro expressou a felicidade com a inauguração do busto e
ressaltou a importância do evento como um marco da luta contra a intolerância
religiosa, fato que levou Mãe Gilda ao reconhecimento nacional.
“Mesmo vindo 14 anos depois que ela nos deixou, aos nossos
olhos essa homenagem é uma forma de reforçar a mensagem respeito entres as
religiões”, afirmou a Mãe Jaciara. “Queremos que esse espaço passe a ser não só
uma referência para a comunidade do candomblé como das outras doutrinas. É uma
forma de mostrar que não queremos guerra santa, queremos caminhar juntos”,
disse.
Nas palavras do líder espírita e fundador da Cidade da Luz a
implantação de um monumento à Ialorixá é o reconhecimento da importância do
diálogo entre as doutrinas religiosas. “Eu não gosto da palavra ‘tolerância’,
para mim tolerar significa suportar e o que precisamos é respeito entre as
religiões”, frisou o médium. “Desde que conheci a luta de Mãe Gilda abracei a
causa e ajudei como pude, hoje vejo que avanços foram alcançados principalmente
em relação às religiões de matriz africana, mas ainda acho que foi pouco em
relação ao que deveria ter sido conquistado”, comentou.
Quem também expressou a sua preocupação com o crescimento
dos casos de intolerância religiosa ligado à relação entre as doutrinas e o
poder público foi o Presidente da Fundação Gregório de Matos, Fernando
Guerreiro. “Nos últimos anos os casos de violência contra santuários voltaram a
crescer, como aconteceu com a Pedra de Xangô que foi pichada e encontrada
coberta de Sal Grosso”, reclamou Guerreiro. “Tudo isso ligado ao crescimento de
uma bancada religiosa que ganha cada vez mais força, é muito perigoso. Acredito
que acima de tolerância, deve haver respeito”, completou.
Vida de Mãe Gilda
Gildásia dos Santos, a Mãe Gilda fundou o Terreiro Ilê
Abassá de Ogum em 1988, no bairro de Itapuã. Ela foi iniciada no Candomblé em
1976 e se tornou ialorixá ao completar sete ano de iniciação na religião. Ao
longo da vida, Mãe Gilda se destacou pelo ativismo social e por sua
personalidade forte na luta pela conquista de melhorias na área de Nova
Brasília de Itapuã.
Apesar da personalidade forte a ialorixá sofreu um grande
golpe em setembro de 1999, quando sua imagem foi publicada na capa de um jornal
evangélico sob a seguinte manchete: Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a
vida de clientes. A imagem da ialorixá vendada, utilizada na edição do
periódico religioso havia sido publica na revista Veja em 1992, em uma
reportagem que mostrava a Mãe de Santo participando de uma manifestação
pró-impeatchment do então presidente, Fernando Collor de Melo.
Dois meses antes da publicação do jornal, o Ilê Abassá de
Ogum havia sido invadido por membro de outra igreja evangélica. Em 21 de
janeiro de 2000, um dia após assinar uma procuração legal para que advogados
movessem uma causa judicial contra a agremiação religiosa que publicou a
reportagem, Mãe Gilda sofreu um infarto fulminante e veio a falecer por conta
de uma série de complicações.
Mãe Jacira herdou o legado da ialorixá e além de coordenar o
terreiro fundado por Mãe Gilda, entrou com um processo judicial contra a igreja
evangélica que promoveu a publicação e recebeu uma indenização de R$ 1,3 milhão
em 2003. No evento Mãe Jacira relembrou a história e deixou um relato
emocionado.
“Nos últimos dias de vida, quando ela decidiu processar a
igreja, me disse: filha, eu não quero ser lembrada por aquela imagem, com o
rosto coberto feito uma ladra”, relembrou. Agora com o semblante tranquilo
esculpido às margens do Abaeté, Mãe Gilda está imortalizada pelo sorriso de uma
mulher forte que tem em seu semblante a determinação de lutar pelo seu povo.
Por: Victor Lahiri