sexta-feira, 28 de novembro de 2014

IALORIXÁ DE ITAPUÃ HOMENAGEADA COM BUSTO ÀS MARGENS DO ABAETÉ

Celebração simbólica marcou a inauguração do busto. (Foto: Marina Silva)

Quando os tambores soaram sob o sol das 10h da manhã de ontem, o olhar decidido e sério de Mãe Gilda, ícone da luta contra a intolerância religiosa, ressurgiram expressos em um busto esculpido em sua homenagem às margens da Lagoa do Abaeté. A expressão da escultura, que até o momento da cerimônia estava encoberta por um tecido branco foi celebrada com grãos de milho branco, cânticos e mensagens que ressaltavam tudo aquilo pelo que a ialorixá sempre buscou, paz e respeito.
Apesar da expressiva presença de membros das religiões de raiz africana, representantes de outras doutrinas religiosas compareceram ao local reafirmando a intenção de fazer da obra um ponto de referência ecumênica. A Ialorixá e, sobretudo sua história e luta foram lembrados pelos presentes gerando comoção e muitos sorrisos.
A filha de Mãe Gilda, e atual Ialorixá do Ilê Abassá de Ogum, Mãe Jaciara Ribeiro expressou a felicidade com a inauguração do busto e ressaltou a importância do evento como um marco da luta contra a intolerância religiosa, fato que levou Mãe Gilda ao reconhecimento nacional.
“Mesmo vindo 14 anos depois que ela nos deixou, aos nossos olhos essa homenagem é uma forma de reforçar a mensagem respeito entres as religiões”, afirmou a Mãe Jaciara. “Queremos que esse espaço passe a ser não só uma referência para a comunidade do candomblé como das outras doutrinas. É uma forma de mostrar que não queremos guerra santa, queremos caminhar juntos”, disse.
Nas palavras do líder espírita e fundador da Cidade da Luz a implantação de um monumento à Ialorixá é o reconhecimento da importância do diálogo entre as doutrinas religiosas. “Eu não gosto da palavra ‘tolerância’, para mim tolerar significa suportar e o que precisamos é respeito entre as religiões”, frisou o médium. “Desde que conheci a luta de Mãe Gilda abracei a causa e ajudei como pude, hoje vejo que avanços foram alcançados principalmente em relação às religiões de matriz africana, mas ainda acho que foi pouco em relação ao que deveria ter sido conquistado”, comentou.
Quem também expressou a sua preocupação com o crescimento dos casos de intolerância religiosa ligado à relação entre as doutrinas e o poder público foi o Presidente da Fundação Gregório de Matos, Fernando Guerreiro. “Nos últimos anos os casos de violência contra santuários voltaram a crescer, como aconteceu com a Pedra de Xangô que foi pichada e encontrada coberta de Sal Grosso”, reclamou Guerreiro. “Tudo isso ligado ao crescimento de uma bancada religiosa que ganha cada vez mais força, é muito perigoso. Acredito que acima de tolerância, deve haver respeito”, completou.

Vida de Mãe Gilda
Gildásia dos Santos, a Mãe Gilda fundou o Terreiro Ilê Abassá de Ogum em 1988, no bairro de Itapuã. Ela foi iniciada no Candomblé em 1976 e se tornou ialorixá ao completar sete ano de iniciação na religião. Ao longo da vida, Mãe Gilda se destacou pelo ativismo social e por sua personalidade forte na luta pela conquista de melhorias na área de Nova Brasília de Itapuã.
Apesar da personalidade forte a ialorixá sofreu um grande golpe em setembro de 1999, quando sua imagem foi publicada na capa de um jornal evangélico sob a seguinte manchete: Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida de clientes. A imagem da ialorixá vendada, utilizada na edição do periódico religioso havia sido publica na revista Veja em 1992, em uma reportagem que mostrava a Mãe de Santo participando de uma manifestação pró-impeatchment do então presidente, Fernando Collor de Melo.
Dois meses antes da publicação do jornal, o Ilê Abassá de Ogum havia sido invadido por membro de outra igreja evangélica. Em 21 de janeiro de 2000, um dia após assinar uma procuração legal para que advogados movessem uma causa judicial contra a agremiação religiosa que publicou a reportagem, Mãe Gilda sofreu um infarto fulminante e veio a falecer por conta de uma série de complicações.
Mãe Jacira herdou o legado da ialorixá e além de coordenar o terreiro fundado por Mãe Gilda, entrou com um processo judicial contra a igreja evangélica que promoveu a publicação e recebeu uma indenização de R$ 1,3 milhão em 2003. No evento Mãe Jacira relembrou a história e deixou um relato emocionado.

“Nos últimos dias de vida, quando ela decidiu processar a igreja, me disse: filha, eu não quero ser lembrada por aquela imagem, com o rosto coberto feito uma ladra”, relembrou. Agora com o semblante tranquilo esculpido às margens do Abaeté, Mãe Gilda está imortalizada pelo sorriso de uma mulher forte que tem em seu semblante a determinação de lutar pelo seu povo.
Por: Victor Lahiri

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